Vou abrindo a porta para o reino das sombras
Descendo os degraus do submundo
Em alerta e fascinação
Digo adeus à jovem Coré
Visto agora o manto preto de Perséfone
Passos lentos
Olhos atentos
Observo o que jaz na monocromática escuridão
O lado soturno da psique aquilo que tanto me assusta
Agora canta
Sussurra juras em meu ouvido
Estranha música dissimulada e secreta
me envolve em teias pegajosas
Já não posso mais sair
Sou a Perséfone de Hades
A que vive entre a dor e o prazer
Entre a ordem e o caos
A baixeza e a grandeza
Entre a força e a debilidade
Sou o pêndulo
Temo ter aberto a porta tal qual Pandora e sua caixa
Liberar os demônios
E nunca mais encontrar o caminho de volta
A solidão fria me abraça
Um arrepio breve se espalha na pele
E nela, enfim, me reconheço
terrível ninfa da destruição
Da desconstrução
A que reside no inverno da alma
No retiro do eremita
Sou a morte antes da vida
O intervalo
A parada
O não agir
Sou a solitude na sanidade
O mal necessário
Vivo o escuro
Mas só por hoje.
Tudo é impermanência.
Me lembro da canção que minha avó cantava
E meu coração se acalma
Lembro-me bem que assim dizia:
"Que o sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
E o amor será eterno novamente…"