Não há nada de errado com você,
Vamos começar com essa afirmação - e voltar nela, se preciso for, quantas vezes for necessário.
Estou há um ano e meio solteira, após ter passado, praticamente, dezessete anos em 2 relacionamentos (um de 5 e o último de 12 anos). Ou seja, não é preciso ser muito bom de conta ou muito esperto pra concluir que eu passei praticamente toda a minha juventude em relacionamentos. Não me arrependo de nada. Tudo é aprendizado.
Não estou aqui para me lamuriar por não ter tido a oportunidade de viver outras coisas, até porque cresci demais com as relações que tive e, de modo algum, "perdi" meu tempo. Ouvi isso de uma pessoa outro dia, indignada quando disse que minha última relação durou 12 anos, ela não se conformava de eu ter investido tanto da minha vida em algo que se findara. O que a pessoa não entendeu é que tudo tem fim. Aceitemos. A vida é determinada por sua limitação, só há vida porque há a morte. Para absolutamente tudo e todos.
Novos ciclos nascem quando outros se fecham. Vida-morte-vida, nada escapa a isso - talvez apenas as baratas... rs
Mas o post de hoje é para refletir sobre esse estar/ser solteira no mundo das relações modernas onde os vínculos são líquidos, como definido por Zygmunt Bauman.
Bauman defende que na pós-modernidade em que vivemos, nada é feito para durar. Numa entrevista concedida à revista IstoÉ , o filósofo defende que no atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem.
A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para as relações se condensarem e se solidificarem em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida, ou um relacionamento mais duradouro - o que justifica o status de instabilidade que nos deparamos com nossos relacionamentos atuais.
Isso é bem frustrante.
Lembro quando estava namorando minhas amigas solteiras me alertavam sobre essas relações voláteis e tão corriqueiras no mundo aqui de fora. Eu, com a minha visão parcial de quem estava em outra situação, não entedia direito - e achava até exagerado, na verdade.
Eis que a vida nos ensina, não é galera?!
Sempre tive curiosidade de experimentar como seria flertar virtualmente por meio dos aplicativos. Sou curiosa por natureza, queria saber como era essa história, já que era um meio totalmente revolucionário de se relacionar na minha concepção analógica. Na época de outrora, quando eu era solteira, a gente acabava se relacionando com pessoas do nosso círculo comum, amigos de amigos, colegas de escola/faculdade, conhecido do conhecido... A partir daí, você começava a conhecer a pessoa, ligava pra ela, saía para tomar um sorvete, esperava até obter um novo contato. Era como cuidar de uma planta e ver ela, lentamente, florescer.
Demandava tempo, carinho, cautela, esforço.
Às vezes valia a pena, às vezes não. Como tudo na vida.
Mas vocês sentem a diferença?
Entrando nos aplicativos, tive meu momento de euforia, óbvio.
Todas aquelas opções meio que "tailor made" pelos algoritmos, Deus o livre - a blessing and a curse, hein. Mas enfim, me deparei com um universo de múltiplas possibilidades.
Um mais interessante do que o outro.
De início foi bastante divertido - confesso.
Fiz amizades novas e conheci bastante gente bacana - muita gente escrota também, óbvio!
Mas há algo de desconfortante nessas relações.
Me parece que ninguém quer MESMO conhecer ninguém ali.
As pessoas só querem satisfazer a necessidade, ou carência, própria por tentar encaixar outro indivíduo, mesmo que momentaneamente, no seu padrão pré-estabelecido de parceiro. Ou seja, eu quero que você seja aquilo que eu construí na minha cabeça sobre você.
Fico bem surpresa quando recebo comentários do tipo: você é tão bem resolvida, você intimida, você tem uma atitude agressiva por conta das tattoos, você parece ser tão brava, você é descolada... etc etc.. Eles não me conhecem, mas pelas minhas fotos e pela descrição já definem o que sou.
O que é ok, a gente tende a categorizar à primeira vista: está tudo bem.
O problema é que ninguém está muito afim de “dig in”, de ir mais pro fundo, de cativar e cultivar algo a mais, como nos termos da minha época de outrora relatado ali em cima. Somos produtos disponíveis em um oceano de opções que nunca se finda.
Somos mais um. Descartáveis.
Juntos e shallow now. (shallow = superficial).
Difícil lidar com isso.
Que fique claro que não estou em busca de um relacionamento. Inclusive, na maioria das vezes, quando entramos nesses aplicativos é porque não estamos mesmo.
Mas eu não gosto de ser descartada como um objeto.
E daí vem a crise dessas relações líquidas permeadas por escritos no whatsapp, trocas de figurinhas e interações nos stories: o que isso quer dizer?
Tô aqui bem imersa nesse questionamento.
Olha eu me considero razoável no quesito interpretação textual, afinal trabalho com essa habilidade. Mas olha, ter que interpretar mensagens de bom dia, ou pequenos textos com o uso bastante equivocado da vírgula e frases rasas cansam a minha beleza, hein?
O que ele quis dizer aqui?
Devo mandar mais alguma coisa?
Será que estou sendo invasiva?
Ele gostou do que rolou?
Foi real?
Estou sendo muito pegajosa?
O que tem de errado comigo?
Fui inadequada?
TÁ TUDO ERRADO!
PARA O MUNDO QUE EU QUERO DESCER!
Como uma mensagem de apreciação por um momento de boas trocas de energia pode ser interpretado como: será que ela está querendo algo mais sério? É melhor eu ler e não responder, ou responder qualquer coisa vaga, só para não perder uma próxima oportunidade de sair com ela.
Cara, a gente tá errando vergonhosamente nessa missão de “ser humano”.
Olhar para o outro com carinho e empatia não quer dizer que você vai namorar com ela, tá entendido, produção?
Eu volto naquela frase do começo da postagem: não há nada de errado com você.
Há, sim, muito de errado com o sistema.
Quando a gente se torna um produto em uma vitrine, em display para quem queria te consumir, aí sim temos um problema, Houston.
Uma coisa que tenho aprendido a duras penas, principalmente tentando lidar com situações e pessoas como as descritas até agora é que eu NUNCA MAIS VOU ME SENTIR CULPADA POR SER VERDADEIRA.
Ah, e também que se uma relação, por mais líquida que for, fizer eu me sentir como uma “louca” apenas por estar sendo eu mesma, por expressar o que sinto, ser sincera e ter emoções é porque tem algo de verdadeiramente errado aí.
Alerta ligado, meus queridos!
No livro “Mulheres que correm com lobos”, da Clarissa Pinkola, há o conto da Vasalisa, a sabida. Nele há a metáfora do resgate da intuição, de desenvolvermos a capacidade de “farejar os fatos”. Vasalisa, no começo do conto é a inocente, ela teve a missão, designada por sua madrasta, de ir buscar fogo na morada da bruxa Baba Yaga. Chegando lá Baba Yaga disse que concederia o fogo apenas se a menina cumprisse alguns trabalhos para ela, o que ela o fez.
Um desses trabalhos era o de separar o milho mofado do milho são, algo como separar o “joio do trigo”. “A separar as coisas umas das outras com o melhor discernimento, aprender a fazer distinções sutis (...). Observar o poder do inconsciente e como ele funciona mesmo quando o ego não está familiarizado (...). Aprender mais sobre a vida (o milho) e a morte (a papoula)”.
Clarissa diz que o conto se trata “da percepção de que a maioria das coisas não é o que parece. Como mulheres, recorremos à nossa intuição e aos nossos instintos para farejar tudo. Usamos nossos sentidos para espremer a verdade das coisas, para extrair o alinhamento das ideias, para ver o que há para ser visto, para conhecer o que há para ser conhecido, para ser as guardiãs do fogo criativo e para ter uma compreensão íntima do ciclo de vida-morte-vida”.
Esse post é para lembrarmos de sempre tentar tirar algo bom das coisas – até dos apps de relacionamentos – mas também para aprendermos a deixar partir aquilo que não nos pertence. Para continuarmos na missão de ser e viver a SUA VERDADE independente de quão doloroso seja se relacionar com pessoas rasas e despreparadas. E saber a hora de deixá-las partir.
Não se sinta culpado(a)(e) em ser sincero, carinhoso e verdadeiro.
Só quem perde são eles.
Continue.
Desapegue do que não te pertence e siga no caminho da luz.
Não é simples, mas é engrandecedor.
Estamos juntos.
Fiquem bem.
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