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Foto do escritorJuliana Tokita

True colors

Começo esse post citando um dos grandes nomes do feminismo e uma das minhas principais influências na trajetória ideológica, a fabulosa Simone De Beauvoir quando ela disse "one is not born, but rather becomes, a woman", ou "ninguém nasce mulher, torna-se mulher", eu também diria que ninguém nasce feminista, torna-se feminista.

Existe hoje a falsa ideia de que vivemos em uma sociedade mais equilibrada social, econômica, profissional e ideologicamente. Isso se deve pelo fato de que, sim, os movimentos feministas que aconteceram no século XIX e XX fizeram muito por todas, todos e todes nós. Nós conseguimos sair do espaço doméstico, único lugar onde a mulher podia "exercer algum tipo de poder", para conquistar os espaços públicos. Lutamos pelos nossos direitos, como a garantia do voto, por exemplo. Entramos no mercado de trabalho e competimos com homens para os mesmos cargos. Mas, hoje, ainda ganhamos menos do que eles, ainda enfrentamos "glass ceiling" ("teto de vidro"), ou seja, barreiras invisíveis de avanço profissional que afeta, em especial, mulheres e membros de minorias no mercado competitivo. Somos alvo de violência doméstica diariamente, somos mortas e estupradas em números alarmantes - se comparados com dados de crimes nos quais as vítimas são do sexo masculino. Isso é fato. Não preciso (e nem quero) colocar dados estatísticos aqui - mesmo porque nos deparamos com eles diariamente em todas mídias. Vivemos em uma sociedade que tenta se estabelecer como mais justa, que está em um processo de evolução social, sim, mas que ainda é cheia de preconceitos, de resquícios e problemas com relação aos gêneros. Sendo assim, todos nós somos frutos desse contexto. Nascemos, crescemos e criamos nossos filhos dentro dos estereótipos de gênero e achamos tudo isso muito natural. Revelamos o gênero de nossos filhos com festas onde o azul ou o rosa são normas. Meninas ganham brinquedos como bonecas e utensílios de cozinha, meninos ganham carrinhos e bolas de futebol. Meninas devem se comportar, meninos são sempre levados.

Não digo que meninas não podem usar rosa, eu amo rosa, mas adoro azul também. O problema é o que estamos "dizendo" nas entrelinhas para essas crianças. Quando elogiamos meninas, dizemos que elas são belas, frágeis, carinhosas, obedientes e femininas. Para os meninos dizemos que são fortes, valentes e bons alunos. Tratamos as meninas de um jeito e os meninos de outro. Educamos os filhos para escolherem o que quiserem ser na vida. As filhas até poderão ter essa escolha, mas desde que, um dia, se casem e tenham filhos. Achamos fofo uma garotinha demostrar todo seu rudimentar instinto materno com sua boneca favorita. Mas se um menino quiser brincar de bonecas, ele é maricas. Meninos não choram, eles brigam. Meninos não falam de sentimentos, isso é coisa de mulherzinha.

O que estamos deixando para essas crianças interpretarem? Quais atitudes demonstramos para as futuras gerações?

Somos criados assim e transmitimos essas ideias limitantes para nossas crianças. E depois queremos que eles sejam livres. Palhaçada, né?

É aí que entra o "se tornar feminista". É uma construção. Ou melhor dizendo des-construção. Eu precisei (e até hoje preciso) rever as minhas atitudes, minhas falas e minhas ideias sobre gênero.

Isso porque as coisas me foram impostas e eu fui absorvendo. Não foi culpa da minha mãe ou do meu pai. Eles estavam somente repetindo um padrão social (na verdade eles até que foram bem revolucionários na minha educação). Mas mesmo assim eu cresci achando que deveria ser bonita para ser querida. Eu deveria ser delicada. Deveria rir baixinho como minha avó japonesa fazia, colocando a mão em frente da boca como um gesto encantadora timidez. Só que eu não era nada disso.

Fui uma adolescente debochada e relaxada. Usava camiseta preta de banda, tênis de cano alto e queria enfrentar a sociedade - minha mãe no caso, né. Ouvia rock depressivo e escrevia poemas obscuros trancada no quarto. Era gordinha, oriental e péssima em esportes - o que me tornava alvo fácil de bullying. Brigava com qualquer um que tentasse me zoar. Não tinha nada de delicada. Me lembro de um episódio em que estava devidamente trajada com minha camiseta preta do Bon Jovi e meu tênis Nike da mesma cor, um tio meu me olhou estranho, parando por alguns segundos para me analisar da cabeça aos pés quando resolveu me indagar curiosamente: mas você é menino ou menina? Tá indo jogar futebol?

Aquilo me deixou muito chateada. Eu era, na minha mente, claramente uma menina que gostava de rock e tinha estilo. Mas a pergunta dele ecoou na minha cabeça por anos. E quem começou a se questionar fui eu.

Daí as coisas mudaram. Eu menstruei. Meu corpo começou a se transformar e eu começava a querer ser notada pelos meninos. Hoje lembro, com vontade de morrer de rir, minhas tentativas - claramente frustradas - de me encaixar no padrão de beleza das meninas da minha idade.

Eu queria clarear os cabelos (meu tom natural é castanho) e fazer escova: detalhe, meu cabelo já é muito liso, cabelo de japa, saca? Mas fazia escova porque todas minhas amigas (que tinham cabelos cacheados, ondulados ou do tipo) faziam. Fiz minha mãe comprar roupas do estilo denominado "patricinha" (acredito que com referência ao filme "Pataricinhas de Beverly Hills" dos anos 90). Enfim, os jeans da Zoomp ou Fórum (que não me vestiam nada bem, era uma tortura achar uma peça no meu tamanho) blusinhas coladinhas e uma bolsa de marca - porque todo mundo tinha, né?

E como eu me sentia quando vestia meu outfit socialmente estabelecido como ideal para uma jovem menina da década de 90?

Uma bosta.

Uma fake.

Uma horrível.

Eu olhava as minhas amigas e pensava: gente, por que eu não fico assim tão linda?

O que eu não sabia é que eu era linda de camiseta de banda e tênis All Star. Eu não precisava de uma bolsa da Victor Hugo.

Mas isso eu sei hoje.

Entender que eu tinha toda essa ânsia adolescente em ser aceita pelo meu grupo - o que significava me vestir e comportar como o todas faziam e que isso não trazia nenhum benefício pra mim, foi um longo processo de autoconhecimento que perdurou pra muito além da adolescência. Hoje eu sei quem sou, o que dá certo pra mim e qual estilo quero vestir. Mas nada disso foi fácil. Na verdade foi pedrada em cima de paulada. Muita terapia, leitura, conversas e um relacionamento abusivo construíram a pessoa que sou hoje - e que estou tentando construir para amanhã.

Escrevo tudo isso para registrar um breve exemplo de que não geramos indivíduos dotados de conhecimento e ideias progressistas simplesmente porque vivemos em uma sociedade moderna (ou pós-pós-moderna). N

os autodenominamos feministas e liberais, mas muitas vezes isso só acontece da boca pra fora - e em noites regadas a música alta e álcool, nas redes sociais ou em nosso grupo de amigos. Nossas atitudes traem nossas palavras. Todo esse discurso que construímos, às vezes, não passa de blá blá blá. Ainda somos cheinhos de restos de uma ideologia patriarcalista que durante milênios nos impôs ideias e sentimentos negativos e asfixiantes.

Mas pensar e repensar é sempre preciso. Erramos e aprendemos. É um clico de vai e vem. Uma construção, um processo e uma busca incansável em, simplesmente, permitirmos que as pessoas sejam livres com suas escolhas e mostrem pro mundo suas melhores capacidades sejam elas homens, mulheres, gays, lésbicas, trans ou o que for. Que sejamos todos iguais. Que sejamos libertos. Que sejamos felizes. Let´s show them our true colors? (Vamos mostrar pra eles nossas verdadeiras cores?)



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